segunda-feira, fevereiro 07, 2011

quarto e sala.

De repente, ela se deu conta do espetáculo patético que vivia.
Fazia o café sempre à mesma hora do dia.
E depois sentava no mesmo canto do sofá com uma caneca plástica à mão direita, um assopro distraído enquanto trocava os canais da tv, jamais se concentrando em nada.
Quando terminava o líquido quente, abandonava o recipiente no chão próximo e deslizava até que sua nuca encontrasse a almofada esmagada por seu peso leve. Era quando ela se dedicava a pensar em desamores que nunca teve, numa vida qualquer e um tanto melhor que a sua. Contudo, era fato que tudo que tinha era pouco e, num contra-senso sem medidas, percebia que aquela seria a única realidade suportável.
E sorria, no fim.
Acordava com a boca seca e os lábios partidos de uma noite sempre tensa. Era comum ter pesadelos. Sonhava com uma mansão de paredes brancas e colunas clássicas, um jardim sem fim regado por chafarizes. Ela sempre correndo entre os corredores de jatos delicados de água e sua camisola transparente revelava mentiras contidas no seu corpo frágil.
Não estava acostumada àquela sensação de bem-estar. Acordava atordoada, sem aceitar que poderia adentrar um sonho bom. Não se dava tal direito. E num ímpeto vazio, abria os olhos com o peito em propulsão ao alto, via o teto encardido e respirava aliviada por voltar ao lar.
Ao seu lugar no mundo. Um apartamento de quize por quinze, um quarto, uma sala, uma cozinha americana e um banheiro claustrofóbico.
Na bancada de mármore frio, apoiava-se e engolia goles duros de água prentendendo tomar fôlego e voltar à cama. Pedia piedosamente para o deus em que não acreditava uma noite de sono tranquilo, em que sonhasse apenas com a realidade. Aquela coisa de mansões e jardins lhe amedrontavam. Ou que atravessasse as horas dormindo sem que pudesse recordar no dia seguinte as armadilhas de suas falsas vontades.
No fim das contas, era uma heroína por nunca desejar o que não parecia tangível. E o que tinha nas mãos sempre lhe parecia suficiente para acordar no dia seguinte.

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