quinta-feira, dezembro 04, 2008

última.viagem
Lembro da última vez em que vi estrelas.
Foi numa viagem longa e silenciosa. Estávamos a caminho da cidade natal e a noite debruçou de repente sobre a estrada ainda longa.
Arbustos secos eram disfarçados de vultos no meio das sombras e lembro também de ter pensado sobre não ver estrelas na metrópole. Lá eu não via nada. Só um imenso vazio azul. Pois o céu não é preto como pintam.
Vejo pontos luminosos, amarelados, em quadrados. Não são estrelas, são janelas. Nem sempre abertas.
Quase esqueço das luzes da igreja, do epicentro em forma de coreto, dos pinheiros numa terra de sol...
Das ironias daquele lugar perdido de onde vim. Quase nada é capaz de remontar lembranças.
Hoje sou um homem sem história. O pouco que me resta são receptáculos de tragédias.
Abro todos os dias a porta da sala de estar. A mesma que dá pra rua da frente. Não há carros na garagem e o corredor de dentro é um grande eco.
Ontem percebi que as imagens nas paredes têm se apagado. E eu já nem lembro o que havia nelas.
Talvez moças em feiras, verduras, carruagens.
Folhagens são outra possibilidade.
É inútul arriscar.
Amanhã, quem sabe.Éramos cinco no início da viagem. Somos quatro ao final.
E agora sei que preciso dar conta de fechar tudo sozinho. A casa implora ruídos conhecidos.
Eles foram destruídos, é o que sempre digo.
Mas portas são mudas.
Paredes são cegas.
Eu sou um homem sem passado.


Um comentário:

zedka disse...

Demorou, mas veio! E veio lindo, como sempre, mas que há muito não via... Forte, descritivo sem chato, sentimental sem ser piegas... Só aumenta a saudade de ler... O que virá.