Flamingo.
Lembro bem da hora em que olhei para o telefone móvel e não identifiquei o número na tela.
Eram vinte e três horas, cinto minutos e nem um segundo.
- Oi, quem fala? - Perguntei sem tempo hábil para que o desconhecido pudesse dizer coisa alguma.
Tudo isso por causa da minha ansiedade em falar com alguem, fazer qualquer coisa, gastar o tempo. A noite seria longa e escura. Sem luz elétrica desde as
dezenove e quinze.
Alguns cigarros e, naquele átimo antes que ouvisse a resposta, previ como soaria a voz, como seria o tímbre e o que poderíamos fazer numa noite de lascívia
cabível.
- Boa noite. É Davi quem fala?
- Não. Infelizmente quem fala aqui é um simples Anselmo. - Respondi sem pensar.
- Ok. Desculpa. Boa noite.
- Tudo bem.
Sentia a fumaça se dissolver em meus microvasos. Mais uns dois goles de água tônica. Dei início a um processo de construção de uma imagem viril, dona de uma
voz em um telefonema enganado. Agora sentia a fumaça se dissolver em meus microvasos e todos guiavam-se para o meio das pernas. Estava indecifravelmente
excitado. Decidi.
- Alô! - Atendeu displicente.
- Posso me chamar Davi se você quiser.
Eu precisava me oferecer. Ser alimento para um deus que me daria um gozo-supernova. Voaria em segundos, ejetando meu desejo. Jatos de porra iriam me invadir
violentamente. Outros, já iriam explodir difusos e nos banhariam mornos.
- Quem fala? Quem é você?
- Sou eu. O de antes.
- Hum?!
- Eu. Que deveria ser Davi, mas sou Anselmo.
- Ah! Anselmo.
Continuei ouvindo a respiração na linha. Ficou mudo um tempo.
- Por que não fala?
- Não tenho o que falar.
- Por que não desliga?
- Não sei.
Eu sei. Sua voz me dava todos os sinais possíveis. Necessários pro meu entendimento. Ele também queria me chamar de Davi. Ou Anselmo, como se fosse Davi.
- Quem é Davi? - Não resisti à curiosidade.
- Alguém. Ninguém importante.
- Sempre liga para ninguéns importantes às vinte e três horas e cinco minutos?
- Nossa!
- É... eu não tinha muito mais a fazer além de tragar um cigarro, tomar alguma coisa e olhar pro relógio.
- O que você quer?
Custou uma eternidade para que eu respondesse. Eu não sabia. Sabia que queria algo. Dois dedos de água tônica. Oito cigarros amassados num cinzeiro de vidro
retangular. O pau duro feito rocha.
- Eu já disse.
- O que?
- Que posso ser Davi ou quem quiser.
- O que isso quer dizer?
- Você sabe.
Ele sabia. Era daquele tipo que precisa ouvir confirmações. Legendas, sinais mais claros. Em outra ocasião, isso bastaria para que desligasse. Desistisse.
- É. Eu sei.
- Então?!
- Preciso pensar.
- Desnecessário...
- É sensato.
- Não é sensato falar com estranhos em uma noite sem eletricidade.
- Eu sei.
- Então?
- Já sei.
Ele sempre soube. Desde que me ofereci pela primeira vez. Também queria. Davi não estaria ali naquela noite. Eu, sim. Nu em uma bandeja. Poria uma maçã na
boca, amarraria meus pulsos. Seria um alimento. Um objeto. Um objeto que se come.
- Aceita um chopp num bar do centro? - Propôs.
- Não.
- Então, o que acha de...
- Aqui em casa! - Interrompi prático.
- O quê?
- Quero você aqui em minha casa. Tem papel e caneta?
domingo, janeiro 25, 2009
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