sábado, agosto 15, 2009

#03


Está tão frio aqui e Etta James não é suficiente pra me esquentar enquanto teimo em ficar ao lado da janela sob essa luz difusa levemente acinzentada. Um dia como outro quaquer. Sem sol. Sem chuva. Indefinido.
Essa minha casa que mais parece um cenário calculado com essa bagunça cuidadosamente disposta sem desequilíbrio. Um primor, você diria. Quem hoje em dia usa um adjetivo desses? Só mesmo você pra me tirar desse momento datado e me jogar contra um tempo sem fim. Apropriado, eu diria. E diria muito mais coisas. Não quero falar de nós dois novamente. Uma vez mais e basta. Essa vez já passou ocorrendo há palavras atrás.
Sinto pequenas dores percorrendo meu corpo. Ao certo, nem sei se são realmente dores. São como microvasos se movendo em direção incerta. Ela pede que eu fique. Que eu seja o mesmo. Que diga aquelas coisas que nunca disse, mas que existem como numa letra de música antiga. Elas soam agora. Ecoam em minha sala desviando como em labirinto pelos objetos da casa. Os vasos cor de amoras, o forro do sofá gritando essa estampa sem contexto. Tantas coisas.
Quando menos se espera, a músca está repetindo novamente. Copulando com minha mente que não sabe onde está. Um aperto aqui dentro, sabe? Eu me sinto bem assim. Aqui quieto olhano pela janela.
Que dia é hoje?
O lugar onde me deitei deixou a frieza de lado e me acompanhou nessa coisa de ser meio morno, meio nada, meio falho. Eu sempre quis uma casa com chão de tacos. Esconder algum segredo naquele solto perto da porta, como fez alguém naquele filme...
Essa música é como uma espiral em vermelho e branco, né?
Que cidade é essa?
Há quanto tempo não me perco no meio daqueles outros com sobretudos e guarda-chuvas? Que saudade de sentir raiva deles por estarem e meu caminho. Meu caminho hoje é tão vazio! Se eles voltassem, eu lhes estiraria um imenso tapete vermelho imaginário. Distribuiria sorrisos. Abriria passagens. Convidaria todos para um almoço na relva, ou num bosque qualquer, ou naquele terreno de eucaliptos naquela cidade do sul. Seria lindo todos com suco vermelho escorrendo pelos cantos das bocas satisfeitos e aquele sax ecoando bem de longe como num sonho eneveoado.
Seria um misto de todos os filmes e livros dos quais desejei ser parte.
Quando parte esse trem?
Eu sei que não vou. Ficar aqui é a única coisa a fazer. O mais sensato, todos diriam. E eu não lamento por isso. Juro que não.
Já não sou aquele homem cheio de mágoas por tudo. Tenho o peito aberto pra tudo. Bem ou mal. E é tão bom chafurdar nessa ilusão!
Não me pergunta, por favor, sobre a sensatez de tudo que digo. Isso não me enche os olhos. É assim que prefiro ser nos dias de sábado. Sem mais nem menos.
Só não me pede pra ficar... vai se acostumando, se adequando, tomando a forma do que o factídico te manda fazer.
É assim mesmo. Bem desse jeito. Quando a gente se dá conta, já não tem medo de nada... porque não manda mais em nada, não sabe de nada, nem sente falta. Tudo é impreciso. Tudo é tão desnecessário quanto saber onde tudo vai dar. Se vai dar. E se não der, tá tudo certo, mon cher.

[continua...]

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