sobre janelas café e apartamentos
Ela havia esquecido antigos pequenos pazeres sabe-se lá por quanto tempo. E num certo dia se deu conta do abandono em questão, trazendo à tona aquelas infantilidades bonitas que, antigamente, fazia gosto em cultivar.
Olhar à janela os carros se cruzando horizontalmente. Constantemente. Inutilmente. E ela achava tão delicada a displicência dos motoristas...
Imaginava que todos eles sabiam enquanto ela os observava com um pouco de paixão, um pouco de cólera, um pouco de nada. Apenas gostava de estar alheia com sua caneca de cafécomleite à mão e os olhos perdidos naquele vai-vem danado.
Depois de um tempo, dava-se conta da frieza do batente de mármore, da altura de sua janela, da imensidão cinza-amarelado à sua frente.
E pensava... porque pensar era o que mais fazia, embora não o devesse.
E ficava irritada com o bater das janelas do quarto ao lado, mas logo passava. Aceitava a rotina das coisas dentro e fora de casa. Ou do apartamento onde não se sentia aprisionada. Era livre da janela pra fora, ainda que toda palavra que existisse jazesse da boca pra dentro. Era um tanto muda.
Era uma distração um tanto patética, da qual ela acordou quando um dos tantos carros parados lá embaixo enlouqueceu gritando um alarme anti-roubo, anti-qualquercoisa, e ficou chateada quando lembrou dos minutos atrás em que havia quase queimado os próprios dedos ao fazer café. Faltava-lhe um tanto de destreza pra tudo, mas era essa a virtude que mais admirava. Sentia-se livre por não esperar de si mesma uma perfeição claustrofóbica, atrás da qual todos corriam.
Ela estava ali parada.
Observando o caminho de luzes em postes, de carros em fila, de uma noite infinita que se prolongava sempre à frente, mas ela correu pra cama antes que o dia lhe desse as caras. Odiava mesmo ver o sol subir acordada e antes que os bichos lhe atordoassem com suas impertinências, lá estava ela adormecida com um gosto de café na boca.
quarta-feira, janeiro 26, 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Muitas imagens... Muito bão. Ela sabe que ela é singular?
Postar um comentário