domingo, dezembro 19, 2010

desfecho.

Foi a última vez em que se viram.

Numa sexta-feira à noite.
Num fim de ano atípico em que o calor ainda não havia se feito presente. Ou, no caso contrário, apesar da época, foi um frio que se instalou subitamente e um deles pressentiu que, a partir de então, era assim que passaria a sentir o mundo. Esse mesmo disse umas três palavras pesadas enquanto abria a porta do carro, ensaiando um final de apoteose como era bem de seu feitio, mas não surtiu efeito algum. Saiu com o peito inflado pra tentar se convencer de que iria encarar o mundo com coragem, mas entendia perfeitamente que esse era o sinal da sua fraqueza; que dali a pouco cairia num canto qualquer, no elevador ou na escada mal iluminada, no canto do quarto, embaixo da cama, quem sabe. Cairia porque lhes apresentavam frágeis as pernas.
Ele preferia não tentar evitar qualquer incômodo causado por aquela dor aguda que lhe atravessava múltipla. Em infinitos pontos minúsculos como agulhas certas de direção e de vontade própria. Somente assim imaginava poder se esgotar nessa coisa de sofrer. Não era tão fraco quanto acreditava. Poucos são os que se rendem ao sofrimento a ponto de sufocá-lo. E assim seria.
Passariam dias, meses, anos... e aquele mal-estar iria morrer aos poucos. Na direção oposta, ele ressurgiria robusto e seu peito pleno de certeza já não seria uma armadilha.

Passaram dias, meses, anos e ele já não lembra sequer do dia em que se viram pela última vez. Como era comum sua memória esquecer os fatos trágicos, mal conseguia lembrar também do rosto daquele outro que lhe disse 'não', 'nunca' e 'adeus', pois se cruzaram pelos corredores do supermercado duas ou trêz vezes. Trocaram olhares de flerte pelas ruas da cidade, mas jamais se reconheceram. Felizmente, o acaso infalível havia se encarregado de não repetir um erro tão fatal. Preferiu mantê-los distantes. O que ouviu as negativas tão cheias de certeza não suportaria reviver o abandono. Foi um desfecho mais agradável que se deu. Ambos sobreviveram.

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