quarta-feira, setembro 07, 2011
sábado, julho 02, 2011
Começo a achar ridículas as coisas que ele diz, os modos como age e as poucas novidades.
O jeito sinuoso de abraçar me comprimindo um entreato no peito já não me comove. Pelo contrário, causa-se repulsa que cresce a cada minuto em que preciso fingir que quero estar ali.
Tem outra coisa: a contração das falanges finas quando sua mão em minhas costas mastigam minha carne, hoje, parecem-me sanguessugas cegas me atormentando os sentidos.
Posso dizer também que em nada me agrada ser acordado por uma boca úmida abocanhando meu pau em plena madrugada. Meus sonhos disformes me aprazem e prefiro não ser usurpado desses lugares insólitos por sua vontade desmedida de mim.
Acho bom dar cabo disso tudo. Ficamos por aqui. Não quero esperar que esse seu desejo morra à minha frente. O meu já se findou. E quero partir enquanto o seu ainda vive.
Lembrarei de tudo assim: eu, livre; você preso a mim.
domingo, junho 12, 2011
"Um cervo jamais sabe sob quais folhas se esconde a emboscada."
Eram essas as letras negras sobre a tela vermelho-sangue que lhe atordoavam o sono. À direita, um cervo inerte aceitava a sentença.
Seria ele também um cervo desavisado, desprovido de malícia numa selva de armadilhas? Tentava dormir, inutilmente. Via os dois lados da cama repetidamente, alternadamente. E quando os olhos fechados, o animal morto lhe surgia em flashes sem cor, compondo uma cena fúnebre que ele tentava entender; culpava o pintor daquele quadro por cruzar o seu caminho, tirando-lhe a paz necessária. Precisava dormir. Acordaria às cinco e trinta, num movimento de um só ato, sem rastejar até a primeira atividade do dia.
Primeiro, um café açucarado, feito em dois tempos, sem que pudesse se dar conta que chegara, enfim,a luz do dia.Depois, um banho gelado, enquanto sonhava com uma água morna qualquer lhe invadindo o corpo, sem que precisasse, contudo, penetrar qualquer cavidade. Abriu os olhos ainda hiperbólicos de sono e viu o cervo duplicado pela parede de vidro que os sepava em lados opostos irreais.
Sentia as folhas úmidas roçando a palma dos pés.
O animal já tinha os pés no chão e os olhos vivos. Ele o encarava docilmente apontava displicente o caminho certo entre os troncos e cadáveres de árvores retorcidas. Dava pistas silenciosas e ele as seguia cegamente, sem esboçar sequer uma palavra.
E numa das infinitas esquinas indefiníveis da floresta, perdeu de vista o divino bicho que lhe a pontava direções. Pensou em voltar, refazer o caminho, mas desistiu logo em seguida. Resolveu seguir solo. E, como que houvesse renascido, teve certeza de cada curva, e toda dúvida sinuosa se dissipou.
Havia esquecido o início, já não lembrava do cervo amigo, muito menos de estranheza daqueles troncos molhados: todo o caminho parecia se abrir à sua frente.
Num movimento qualquer, viu pistas dispostas em trechos duvidosos, em frutas e sementes de cores multicoloridas. O ar lhe faltou subitamente, como se um compressor às avessas lhe sugasse tudo que fosse possível. Sentiu um enlace fervendo-lhe os tornozelos e, num instante quase posterior, viu o mundo em verde-musgo girando , misturando os tons apaziguados, quase em cor de terra fria. Cento e oitenta graus e lá estava ele com os olhos cinlantes, vendo tudo invertido e percebia o ocaso da sua respiração, dos seus pulsos contra o enlace que já não fervia seus tornozelos e, pouco a pouco, foi apagando do. E dormiu. Como já não dormia a semanas.
domingo, maio 08, 2011
inacabado.
Meu amigo - único amigo -, a quem eu conhecia profundamente, e de um jeito estranho, partiu nesta manhã.
Partiu após organizar suas roupas em quarteirões pequenos dentro da mala cor de vinho. Um compartimento rijo e impessoal que havia comprado dias antes num bazar organizado pelas senhoras que frequentavam a igreja dos Aflitos. Era uma mala de muitos donos, cada um apagado discretamente pelo conseguinte e este, agora, era ele.
Pôs as coisas prontas próximas ao pé da mesa e fez com que a sala fosse inundada por uma atmosfera morna vinda do vapor de café fervendo no fogo e pela luz que entrava macia através da cortina de algodão cru.
Eu o via preparar tudo pelo trecho aberto na parede sem porta do meu quarto. Em pouco tempo eu estaria sozinho. Sem movimentos no início das manhãs. Sem os barulhos discretos de quem se preocupa em não incomodar o sono alheio. Sem me deparar com o blaser cor de pele engomado e pendurado no canto próximo à entrada da cozinha.
Em pouco tempo eu não encontraria bilhetes me informando sobre a impossibilidade de preparo do almoço do dia, como se fosse esta uma obrigação - realizada sempre com prazer e presteza, notadamente.
Em muito pouco tempo eu não teria um amigo tão gentil me cercando todo dia. Promovendo um cuidado jamais conhecido por mim antes que esse moço de bom coração adentrasse minha vida. E isso já faz muito tempo, desde que iniciamos, os dois, a quinta série num colégio novo muito tempo após o início das aulas em fevereiro. Já era abril quando chegamos.
[...]
Éramos estranhos numa turma de meninos e meninas misturados e envolvidos há muito tempo e que, só depois de muitos anos, era pervertida por novos rostos, novos nomes nas cadernetas dos professores, cadeiras velhas ocupadas por corpos recém-chegados. E nos reconhecemos nessa estranheza enquanto os demais se forçavam a agir com naturalidade. Como se não percebêssemos o quão feridos se sentiam por ver seu território dilacerado por dois outros meninos vindos sabe-se lá de onde, sabe-se lá porquê, e insistiam em manter sorrisos constragendores quando se percebiam observados por nós. Um em cada canto. Ambos nas extremidades. Opostos e atravessados por uma pequena multidão desconcertada.
Às vezes nos olhávamos na tentativa de dissipar o desconforto. Ele sorria comedido. Eu retribuía com os olhos baixos que voltavam sempre aos dele após percorrer pontos incertos que me ajudavam a suportar o peso de sua atenção. E o olhava novamente.
Nossa afeição mútua foi crescendo lentamente sem o auxílio de palavras. E sempre antes do recreio, meu coração perdia o ritmo numa ansiedade desesperada por encontrar o novo amigo pelos pátios ou cruzando corredores. De fato, o que nunca aconteceu. Nunca soube onde se escondia quando eu o procurava discretamente.
quinta-feira, maio 05, 2011
Vi a sombra de um na projeção horizontal do corpo do outro. No chão, no encontro com a parede, nas poças d'água...
Sucumbi novamente a um falso encanto contido num novo jeito estranho de ser olhado.
Eu cedi. Quando deveria ser rijo. Mais rijo que os membros encontrados.
E me enganei. Como não poderia deixar de ser. Como só poderia acontecer, considerando meu talento óbvio de me enganar, minha afeição incólume por erros infames não dissimulados nos fins, muito menos nos começos e que, ainda assim, fazem-me insistir nesses empreendimentos previamente falidos de amor, de continuação, de tudo que estaria por vir.
terça-feira, fevereiro 22, 2011
Mãos ásperas geralmente me causam um incômodo discreto, impossível de ser ignorado.
Quando alguém com mãos assim toca as minhas, é como se meu cérebro recebesse um alerta imediato e me informasse subitamente sobre a ausência de lisura da palma alheia.
As mãos dele eram levemente ásperas, mas dessa vez, meu mentor sensorial acusava algo além da textura: ele me informava sobre a surpresa daquele gesto redentor.
Ele me guiava em meio a tantos rostos estranhos e abria caminho para um lugar discreto. Um mar muito denso recuava e nós passávamos tranquilos.
Agora estou aqui do outro lado da pista esperando a música certa. Tentando adivinhar se a aspereza daquela palma virá outra vez me resgatar.
terça-feira, fevereiro 08, 2011
Eu queria mesmo um quarto bonito com uma cama de solteiro coberta por lençol azul bem no canto, com um criado mudo de madeira ao lado, com um abajur sinuoso em cima, e logo mais acima, ao centro da parede, um painel também azul com dezenas de fotografias bonitas apregadas.
Queria também, nessa mesma parede, um papel de parede bordô, com padronagem floral um tanto mais escuro e queria um carpete felpudo cobrindo todo o chão do quadrado.
Mas quando penso em tudo que queria para um quarto tranquilo e do meu jeito, penso também que, para estar nele, deveria eu ter menos uns oito anos. Quartos bonitos combinam com pessoas jovens. Tanto quanto quase todas as outras coisas bonitas da vida. E quase todas as outras coisas bonitas que me agradam. Acho que nada combina com um velho de vinte e poucos anos.
Eu queria achar bonito estar sozinho.
Queria também voltar a usufruir de momentos ociosos sem sentir culpa. Queria olhar o teto, soltar o pescoço de cabeça-pra-baixo ao final da cama e ver tudo invertido. Eu queria tanto.
Eu sempre quero tanta coisa que chego a ficar irritado.
Eu queria mesmo querer menos. E queria que esse final parecesse menos ridículo.
Eu queria mesmo.
segunda-feira, fevereiro 07, 2011
De repente, ela se deu conta do espetáculo patético que vivia.
Fazia o café sempre à mesma hora do dia.
E depois sentava no mesmo canto do sofá com uma caneca plástica à mão direita, um assopro distraído enquanto trocava os canais da tv, jamais se concentrando em nada.
Quando terminava o líquido quente, abandonava o recipiente no chão próximo e deslizava até que sua nuca encontrasse a almofada esmagada por seu peso leve. Era quando ela se dedicava a pensar em desamores que nunca teve, numa vida qualquer e um tanto melhor que a sua. Contudo, era fato que tudo que tinha era pouco e, num contra-senso sem medidas, percebia que aquela seria a única realidade suportável.
E sorria, no fim.
Acordava com a boca seca e os lábios partidos de uma noite sempre tensa. Era comum ter pesadelos. Sonhava com uma mansão de paredes brancas e colunas clássicas, um jardim sem fim regado por chafarizes. Ela sempre correndo entre os corredores de jatos delicados de água e sua camisola transparente revelava mentiras contidas no seu corpo frágil.
Não estava acostumada àquela sensação de bem-estar. Acordava atordoada, sem aceitar que poderia adentrar um sonho bom. Não se dava tal direito. E num ímpeto vazio, abria os olhos com o peito em propulsão ao alto, via o teto encardido e respirava aliviada por voltar ao lar.
Ao seu lugar no mundo. Um apartamento de quize por quinze, um quarto, uma sala, uma cozinha americana e um banheiro claustrofóbico.
Na bancada de mármore frio, apoiava-se e engolia goles duros de água prentendendo tomar fôlego e voltar à cama. Pedia piedosamente para o deus em que não acreditava uma noite de sono tranquilo, em que sonhasse apenas com a realidade. Aquela coisa de mansões e jardins lhe amedrontavam. Ou que atravessasse as horas dormindo sem que pudesse recordar no dia seguinte as armadilhas de suas falsas vontades.
No fim das contas, era uma heroína por nunca desejar o que não parecia tangível. E o que tinha nas mãos sempre lhe parecia suficiente para acordar no dia seguinte.
domingo, fevereiro 06, 2011
now i'm outta my own heart
and it is out from me too
who needs to be loved?
i don't know if i can do
meanwhile my breast is wide open
burning on fire
cold like water
and all i want is to be warm, candy, quiet
after all i'm a fragile child
waitin' for the right time to be born
and find out that there's a beautiful light out my eyes of glass
sexta-feira, fevereiro 04, 2011
A caminho do trabalho, chorei sob um teto contínuo de nuvem cinza.
Enquanto a velha rotina se fazia renascer, eu me desfazia em nada. Me reduzia a pó e lágrima.
Preciso me livrar desse peso que não é meu. De um passado de massa vaporosa e inverídica.
Meu coração agora é cheio de cólera. Eu sou um ímpeto de fúria corajosa que precisa ir adiante.
Um assassinato premeditado. Um crime de amor sem precedentes. Um ato de desamor sem igual.
Você entende?
Claro que sim.
É minha retribuição.
Estaremos quites, então.